A EXPERIÊNCIA É O ÚNICO MESTRE - J.KRISHNAMURTI

A experiência é o único mestre

As ideias que vos desejo apresentar não estão tolhidas pelas limitações do pensamento nacional, porque eu sustento que o pensamento e o sentimento reais não estão restritos pelo preceito nacional; eles não têm limites, nem fronteiras. Por favor não imagineis, portanto, que o que eu digo não é aplicável à América, porque aconteceu ter eu vindo do Oriente.

Deve-se ter a capacidade de pensar independentemente de todos os preconceitos nacionais, e de, por conseguinte, pelo pensamento independente criar a ação independente, pois a ação tem valor — o mero pensamento não realizado pela ação, é inútil. O pensamento, com a sua ação correspondente, produz mutações no mundo dos fenômenos, e desde que haja mudança, alteração constante, deve haver luta; dessa luta resulta o desenvolvimento, o progresso, e este é necessário ao ser.

Ora, consideremos o indivíduo como a base de um grupo, porque o indivíduo tem a mais alta importância. O grupo é composto de indivíduos, e, portanto, se vós — o indivíduo — desejais ter a capacidade, por escolha contínua, de discernir, por vós mesmo, sobre o que é essencial, não devereis então tentar adaptar-vos à sociedade. Desde que um indivíduo tenha resolvido seus problemas particulares, suas inquietações, suas preocupações, suas emoções, seus desejos, suas angústias, suas dores, então o que expressar será ele próprio, e por essa mesma consecução trará ordem e harmonia para a sociedade ou grupo.

A civilização é a expressão do indivíduo, mas, de nenhum modo, é a manifestação do eu completo. O conflito, a corrupção, a exploração, a usurpação do poder nas mãos de alguns, são o fruto de ignorante esforço individual. Mas, desde que compreendais a discórdia individual, pelas vossas próprias lutas, vossas próprias aflições e desafeições, vossas próprias reações — então, no mundo dos fenômenos, no mundo da civilização, haverá uma alteração, uma mudança para a ordem, harmonia, cultura. A cultura pertence ao “Eu”. A educação do “Eu” deve ser nossa principal preocupação. Falo aos professores, e, naturalmente, eles estão preocupados com a educação daqueles que são mais moços do que eles; mas, eventualmente, o indivíduo pelas suas próprias preferências contínuas, torna-se uma lei para si próprio. Esta preferência é a contínua descoberta da verdade. Desde que estais cultivando a capacidade de escolher, de discriminar, sem respeito a grupos, nações, classe, credo, estais descobrindo a verdade.A mais alta inspiração do homem é ser consumadamente inteligente, não simplesmente intelectual. A inteligência é muito maior que o simples intelecto, porque a verdadeira inteligência é fruto da experiência — a experiência da razão e do afeto — e isto é intuição.

Enquanto vós, como indivíduo, como ser humano à parte não tiverdes resolvido vosso problema, não tiverdes compreendido o objetivo e significado da luta, não podereis auxiliar, realizando o milagre da ordem num mundo de caos. Este é o verdadeiro objetivo da educação — não adaptar o indivíduo à sociedade, não fazê-lo repulsivamente harmonioso com ela, mas obriga-lo a pensar e agir independentemente, para desenvolver essa consumada inteligência que está sempre escolhendo o essencial.

Assim, o grupo, a massa, a nação são compostos de indivíduos, mas se considerardes que o indivíduo se manifesta coletivamente, vereis, então, que o mundo, a massa, o grupo, fica entre o “tu” e o “eu”. Se o indivíduo assim faz, a batalha, a continua corrupção, a exploração do “tu” e do “eu”, cessam. Assim, minha conclusão é que enquanto o indivíduo for corruptível, enquanto o indivíduo tiver interiormente caos, até que ele próprio se compreenda, e conclua claramente, por si mesmo, o caminho que deve seguir, haverá o caos em redor dele. O indivíduo, por sua incorruptibilidade, produz ordem no mundo.

Não pode ser o objetivo da educação, quer seja do jovem ou do ancião, — o adaptar o indivíduo a um ambiente. Se estiverdes lutando dentro de vós mesmo, como devereis estar, não poderá haver harmonia entre vós e a sociedade, não podereis confiar nela. Se considerardes o que está acontecendo no mundo, descobrireis que o homem — e a mulher também, pois são iguais, porque têm os mesmos desejos, as mesmas ambições, embora tenham expressões físicas diferentes — está sendo modelado, está se tornando um dente da engrenagem de uma máquina que funcionará suavemente, para adaptar-se à sociedade, à nação — sem um combate, sem uma luta. Em outras palavras, ele está transformado em um modelo, em um padrão. A vida detesta o padrão, porque qualquer modelo é incompleto, e todo o indivíduo que é modelo, traz no coração a incomoda carga da imperfeição. Um indivíduo não deve tornar-se um modelo, deve ser completo, e por isso não pode adaptar-se à sociedade, porque a sociedade ou grupo está sempre procurando criar um modelo.

Ora, se examinardes os resultados dos sistemas educacionais, vereis que, na maioria dos casos, o indivíduo, depois de sair da universidade ou de outro centro qualquer de educação, adapta-se convenientemente em um molde criado para ele pela sociedade. Em outras palavras, ele adora o sucesso. Observai a máquina inteira da civilização. Todas as honras são conferidas ao homem que é bem sucedido com o grupo, e em seus negócios, e, por conseguinte àquele que é vulgar. Ter dinheiro, acomodar-se à rotina da sociedade, ser vulgar — chama-se sucesso. Não sou contrário à criação para todos de condições físicas saudáveis, mas contrário à asfixiante pressão sobre o indivíduo para acompanhar a massa, que somente parece assegurar-lhe o prestígio procedente do grupo. Ser diferente do grupo é ser desprezado, é ser considerado perigoso. Para pensar com independência, livre do que vos cerca, livre do julgamento de vossos vizinhos, de vossa sociedade, vossa nação, toda vossa raça, é incorrer em condenação. Sereis expulso da sociedade, se não vos adaptardes ao molde.

A vida é um processo contínuo, no qual experimentamos, assimilamos e rejeitamos. Se vos transformais num modelo, não podereis nunca assimilar ou rejeitar, não tereis a capacidade de escolher, e, desse modo, vós vos tornareis um autômato, uma pessoa morta. O meu ponto de vista é que o pensamento independente é necessário para uma ação real; e para pensardes sem dependência, não devereis adaptar-vos a qualquer espécie de encaixe, nem cegamente aceitar o que os outros digam.

Depois vem a religião. Adorando rótulos, adorando alguém, moldando-vos pelo modelo de uma pessoa, quer seja Buda, Cristo ou Maomé, tereis estabelecido um modelo fora de vós mesmo, um modelo de janela de vidro de cor e vós mesmo vos moldais por ele. Ainda, vós vos transformares num padrão e o vosso coração e a vossa mente, serão moldados ao feitio de outrem. Por maior, ou majestoso que alguém possa ser, a vida detesta o molde. Em religião, estais sempre unido a uma autoridade, àquilo que alguém disse; imaginais que a espiritualidade é a ortodoxia. Daí criou-se a teoria da espiritualidade. Na Índia supõem-se que deveis ser pobre, feio e sujo para serdes espiritual. Aqui tendes também uma teoria da espiritualidade, embora seja expressa diferentemente. Porque tendes uma ideia fixa da espiritualidade, fazeis a totalidade da vida adaptar-se a essa teoria; forçais a vossa vida, a torceis, a fazeis horrível, para acomodá-la a essa teoria; e viveis à sombra de outrem, tornando-vos um modelo, uma pessoa morta.

O mesmo se dá em qualquer direção do pensamento, na administração, na política, no trato social, na religião, na educação; estais simplesmente criando padrões e não um homem completo.  

Por que vos transformais num padrão? Por que imitais alguém? Por que seguis a autoridade? Em assuntos espirituais não pode haver autoridade; em pensamento e crença não pode haver autoridade; só a experiência tem importância. A experiência é o único mestre. Por que, então, vos transformais num modelo, numa máquina? É porque o modo representa papel predominante em vossa vida. Receais vossos próprios pensamentos, sois indeciso; e daí procurardes guias em assuntos espirituais. Desde que haja o desejo de conforto, vem o medo. A luta ocasiona receio ou entendimento. Desde que receais lutar, procurais amparos, procurais autoridades em assuntos espirituais, é preciso que se vos diga o que está direito, o que está errado, o que é insucesso, o que é sucesso. Mas desde que haja o desejo de entender esta imensa luta que se trava, não sereis dominado pelo medo e experimentais compreender toda a experiência que vos aparece.

A conformidade não é cultura. Não podeis vos educar pela conformidade. Precisais formar ambientes próprios, de modo que o indivíduo esteja sempre lutando, escolhendo, assimilando e rejeitando, e, assim, crescendo. A individualidade não é um fim, em si mesma, porque a individualidade é divisão, e a individualidade está experimentando sempre, pelo contínuo contato com a vida, derrubar a barreira que a separa das outras. Em outras palavras, a individualidade forma-se de nossas reações inconquistadas. As reações criam barreiras e divisões. Mas, desde que tenhais conquistado vossas reações, não há barreiras nem divisões. Portanto, é o ego, a individualidade que não transformou sua reação, que cria barreiras. Mas, o verdadeiro eu reside na região da ação pura; assim para atingirdes esse eu, para encontrardes a ação pura, deveis ir pelo processo da reação, das atrações e repulsões, gozos e prazeres, aflições e dos grandes êxtases, e, gradualmenteeliminar todas as reações, até chegardes à vossa própria morada, da qual agis, mas onde não há reações. Este é o objetivo da vida.

Por conseguinte, a previdência em todas as coisas, em vosso atos, vossos pensamentos e vossas emoções, e um propósito que não nasce das reações, são a mais alta espiritualidade, e não o conformar-se a um padrão.

Deveis criar em vós mesmo, no auge do conflito, entre a emoção e a razão, o desejo de estar perfeitamente equilibrado. Mas, para chegardes ao equilíbrio, deveis passar por essa luta extrema, não podeis fugir ou cansar-vos do mundo. Desde que estais no auge da luta entre a emoção e o pensamento, aparecer-vos-á o desejo de estardes perfeitamente equilibrado e começareis a vos equilibrar. Podeis ter numerosos livros que expliquem todas as vossas aflições e vossas lutas, vossas dores e vossos gozos. É muito fácil modificar as coisas por meio de uma explicação. Isto é o que todas as pessoas estão procurando — explicação. O homem que, de fato, está aflito, procura explicação? Se morre alguém que amais, de que vos servem as explicações? Delas precisais, porque estais isolado. A solidão não pode ser modificada em virtude de uma explicação. Nenhuma quantidade de teorias ou explicações fará a solidão desaparecer. Mas, desde que estais realmente lutando na tristeza, e sentis ser essa tristeza a mais profunda possível, estareis, então, procurando o caminho, a causa da tristeza como que se torna, então, uma terra em que devereis crescer, uma terra de nutrição, não uma coisa a ser evitada.

Ora, o enriquecimento da vida pela experiência contínua é pura ação, é incorrupção. A pobreza da vida, a falta de experiência, é corrupção. Assim, não deveis amoldar-vos por um tipo. Deveis ser o todo, abranger tudo. O pensamento que, a princípio, é pessoal, está pela experiência evoluindo cada vez mais para o impessoal, e, quando o pensamento é impessoal, é inteligente. E a inteligência vos levará a esse estado de pura consciência que é a consumação da vida humana. Estar perfeitamente equilibrado nessa ação pura, é a meta da vida, o resultado de toda a experiência; então, a vida é rica, integra, toda-integrativa — completa; então os vossos problemas, como um único, estão resolvidos, e estareis apto a dar ao mundo aquele perfume, aquela compreensão que é necessária à manutenção do todo.  

    
Krishnamurti em discurso aos professores em Los Angeles, 10 de abril de 1930

Fonte:http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/2016/07/a-experiencia-e-o-unico-mestre.html

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